A Lenda de Átima - Parte IV

IV

Acordei sobressaltado e levei a mão à parede para acender a luz na esperança de estar acordando de um longo pesadelo. Não havia parede onde naturalmente deveria existir em meu quarto. A luz começou a brilhar por todo o teto, suavemente a princípio e crescendo de intensidade aos poucos. Podia ver que me encontrava no quarto que pensara objeto dos meus sonhos e aceitei que tudo não passava de uma fantástica realidade. A mesa, onde na noite anterior deixara os utensílios de minha refeição, estava vazia. Permaneci sentado durante um longo tempo até que a porta que me separava do exterior se abriu deixando passar a mesma moça que já me atendera antes.

Trazia outra bandeja de comida que depositou sobre a mesa seguindo o mesmo ritual de antes. Voltou-se para mim e com o mesmo sorriso encantador falou:

-- Bom dia. Teve uma noite agradável?

-- Acho que sim. Que horas são? -- Perguntei e instintivamente consultei o relógio em meu pulso que indicava oito horas e alguns minutos. Ela limitou-se a sorrir. -- Onde posso escovar os dentes, tomar um banho?

Ela dirigiu-se a um daqueles sensores localizado logo atrás da cabeceira da cama, tocou-o e uma porta deslizou para o lado. Ali podia-se ver um grande assento e mais atrás um espaço vazio que deveria ser destinado ao banho. Assenti com a cabeça que havia compreendido o significado daquele cômodo, e ela falou:

-- Em uma hora virão buscá-lo, o mestre deseja falar-lhe.

-- Esse mestre é o chefão por aqui?

-- É nosso líder. Todos seguimos suas determinações. O Messias fala a ele, e ele fala conosco. Assim seguimos todos ao Messias.

-- Messias? Por acaso isso aqui é uma congregação religiosa?

-- Somos apenas uma comunidade feliz. Gostamos de viver em paz e harmonia com nossos semelhantes. Agora apronte-se o mestre não pode ficar esperando.

Conclui que seria mesmo melhor esclarecer tudo com aquele a quem eles chamavam de mestre. Talvez tudo não passasse de uma grande farsa da qual somente Bruno poderia sair ganhando.

A moça saiu, nem sabia o seu nome, na verdade não sabia o nome de quase ninguém ali. Despi toda minha roupa. Será que não haveriam câmeras escondidas pela qual pudessem me observar? Senti-me envergonhado mas, mesmo assim, dirigi-me ao banheiro. Era muito pequeno. Não havia pia nem chuveiro, apenas três daqueles misteriosos sensores que ocultavam tudo que se pudesse imaginar.

Ao entrar no compartimento suas luzes se acenderam. Deduzi que a iluminação dos aposentos eram acionadas somente quando algum deles estivesse sendo ocupado. Pressionei o sensor mais próximo e diante de mim um pequeno compartimento se abriu. Dentro dele havia espaço suficiente para compará-lo a um armário de banheiro. Na parte mais alta um espelho não muito grande completava o móvel. Havia um outro pequeno desenho em sua parte mais baixa, tentei tocá-lo, mas antes mesmo de fazê-lo, pude sentir a água morna que caiu sobre minha mão. -- Torneira esquisita. -- Pensei.

Um pouco mais ao lado o que parecia um vaso sanitário, porém sem água no fundo, estava instalado. Á frente dele havia também um desenho. Fiquei feliz por não sentir necessidade de usá-lo. Imediatamente ao lado, havia outro desenho à altura da cintura. Toquei-o e a porta que dava acesso ao quarto fechou-se. Instintivamente tentei sair dali. -- Droga, me pegaram. -- Esmurrei-a com raiva e comecei a ouvir um forte chiado. De repente o banheiro foi invadido por descargas de água que vinham de todas as direções, exceto da porta.

-- Ora vejam só. -- Soltei uma risada irônica -- Um chuveiro?

Refeito do susto, banhei-me e tocando novamente o sensor a água parou de fluir. Imediatamente a porta se abriu e eu saí. Parei no meio do quarto com certa dúvida sobre qual desenho tocar para encontrar minha maleta. Decidi-me pelo que estava à frente do banheiro. Certo. Apanhei a maleta, escolhi uma roupa completa e vesti-me. Apanhei também o gravador e a câmera fotográfica, tudo compacto e muito eficiente, e coloquei um em cada bolso da calça. Deixei as roupas espalhadas pelo quarto, a maleta aberta sobre a cama. Nunca fora muito organizado, quando minha mulher estava viva estava sempre a criticar meu jeito relaxado. Eu me esforçava para mudar mas acho que no fundo nunca fizera muita questão.

Arrisquei-me a pressionar o desenho do sensor localizado ao lado da porta que dava acesso ao corredor. Tinha a certeza de que encontraria os dois homens postados vigiando-me. Não havia ninguém. Tínhamos vindo pela direita, à esquerda o corredor terminava logo em frente. Deduzi que valia a pena fazer uma pequena excursão por conta própria. Segui pela esquerda e o corredor continuava numa curva a direita. Logo mais a frente terminava num salão daqueles em que os veículos paravam.

Olhei ao redor, haviam mais duas saídas além daquela por onde eu viera. Pelo túnel por onde trafegavam os veículos um deles surgiu e parou próximo de onde me encontrava. A curiosidade foi maior do que meu bom senso, olhei ao redor e como não havia ninguém entrei nele.

Diante de mim um pequeno painel repleto de desenhos. Lembrei-me que o homem que sentara ao meu lado no dia anterior pressionara alguns antes que o veículo começasse a se mover. Aleatoriamente pressionei um, dois, três desenhos e o veículo começou a se movimentar lentamente a princípio, até alcançar sua velocidade constante.

Passei por túneis e galerias. Num certo salão o veículo parou. Um casal muito jovem entrou nele. Olharam-me e limitaram-se a fazer um aceno com a cabeça e sorrir. Curioso como todos aqui estavam sempre sorrindo. O veículo continuou seu caminho. Anteriormente eu já tivera a sensação de estar me movimentando no sentido vertical. Constatei que o veículo realmente se movia neste sentido também, quando começamos a descer pelo que parecia ser um túnel externo à edificação em que me encontrava. Portanto isto não era apenas um carro, mas também um elevador. Tive certeza então que esta cidade não poderia ter sido feita por seres humanos.

Retomamos o movimento no sentido horizontal. Não era possível perceber qualquer mudança na velocidade ou sentir qualquer vertigem quando o movimento se alternava. Passamos por um túnel transparente que nos ligava a outro prédio mais à frente. Logo que entramos nele o veículo parou e o casal saltou. Havia várias pessoas nesta estação, mas nenhuma delas me deu maior atenção.

O veículo retomou sua marcha e durante algum tempo percorri um corredor e quando finalmente alcancei uma nova estação o veículo parou. Dois homens vestindo túnicas brancas esperavam ao lado do ponto onde o veículo estacionou. Levantei-me e desci do veículo. Eles fizeram um sinal para que eu caminhasse à frente deles. -- Será que voltei ao ponto de partida? -- Pensei.

Nenhum comentário: