A Vila Silenciosa

I

Um homem comum de hábitos comuns, era como sempre se definira. Sua instrução não fora além dos primeiros anos da escola missionária que ficava a alguns quilômetros da casa onde morava desde os tempos de seus finados pais. Filho único, educara-se curvado com as mãos na terra, sol nas costas, sangue e suor no rosto. Tinha a sabedoria de quem decide como ninguém a melhor semente, o melhor bezerro.

Nunca viajara e seu mundo fechara-se no pequeno sítio distante de tudo e de todos, do qual tirava o que comer ou raramente trocar. Fazia-o na vila, que distava meio dia de viagem no lombo do burro por estradas e trilhas serpenteantes em meio à floresta nativa alternada com longos trechos de cerrado agreste que rodeavam seu lar.

Lá se completava.

Ancorado no balcão, pinga na mão; ouvia Tomás, idoso, bêbado, de poucas histórias, muitas versões; e ria.

Jogava com João, garanhão, de muitas mulheres, dinheiro na mão, baralho ou bilhar; e perdia.

Proseava com Seu Zé, botequeiro, conhecido por todos, que tudo ouvia, sabia tudo que ali acontecia, dos que suspiravam na noite cochichando lhe dizia, e ele ouvia.

Admirava "Dotô" Tião, instruído na capital, médico de gente e de animal, falando de coisas finas, usava palavras que ninguém entendia e contava da cidade; e ele tremia.

II

Acordou feliz como convinha a um dia feliz. Quando os primeiros raios de sol começaram a colorir o céu, já pusera-se a caminho da vila onde riria, jogaria e perderia; prosearia e escutaria qual aluno interessado as palavras do mestre, sem nunca deixar de lado a saborosa "branquinha" de Seu Zé.

Por três horas sacolejou no dorso do burro, seu maior bem pois da terra era posseiro.

Seus olhos se encheram de alegria ao ver ao longe a vila que surgia e em sua mente começou a imaginar o dia que teria.

À medida que se aproximava seu sorriso transformava-se em apreensão. Sua boca se abria e sua mente indagava preocupada.

Chegou à vila, vazia, silenciosa. O boteco fechado como se jamais abrira, a igreja como se jamais existira, tudo como nunca vira. No interior das casas o silêncio era ainda maior que o das ruas.

Onde estariam seus amigos, as moças para as quais olhava e ocasionalmente flertava em busca de uma noiva, as senhoras que lavavam roupas enquanto fofocavam futilidades, os moleques sujos que corriam e gritavam e os cães sarnentos e cansados que se deitavam à sombra das árvores com moscas a orbitar seus corpos.

Nem o vento soprava. Tudo imerso em silêncio e imobilidade, só ele vivia, movia.

Onde estariam todos? O que acontecera? Para onde haviam ido? Em sua ignorância tentava encontrar uma resposta.

Desceu da mula, sentou-se à porta do bar e ali ficou à espera de que alguém ou algo aparecesse e lhe dissesse onde estavam todos, que lhe explicasse o que houvera.

O tempo lentamente passou...

III

Apeou na mula e seguiu para casa. Voltava o rosto para trás seguidas vezes na esperança de ver alguém e descobrir que fora um trote.

Foi distanciando-se, mas ainda mantinha a esperança de notar algum movimento fosse qual fosse; ainda olhava para trás quando a vila tornou-se apenas uma mancha no horizonte, diminuindo, dissolvendo-se, até que desapareceu.

Cabisbaixo, sacolejando, tentava ainda ordenar o pensamento em busca de uma resposta.

Na distância vislumbrou um ponto, que tornou-se uma mancha e finalmente definiu-se como sua casa, seu mundo.

Parou a mula e arriou, olhou o chiqueiro, o galinheiro; contou os animais; observou desatento o arraial, abriu a porta, acendeu o lampião, ateou lenha no fogão, comeu, pitou, deitou.

No limiar de sua consciência vislumbrou novamente a imobilidade da vila, indagou sobre o destino de seus amigos, Tomás, João, Seu Zé, "Dotô" Tião; onde estariam os moleques, as velhas e raparigas, nem cães ele vira.

Prometeu a si mesmo que voltaria, talvez não tivesse procurado direito; deveria haver alguém que pudesse lhe explicar para onde tinham ido todos.

Talvez tivessem seguido para ver de perto a bela e grande nuvem que brotara do solo, como uma flor desabrochando numa manhã de primavera.

Tão imponente, que avessa à distância, se fizera presente num forte estrondo, como um bebê que se ouviu nascer. Irradiando calor como a provar que estava viva.

Em sua sabedoria, escolheria as melhores sementes os melhores bezerros.

Em sua ignorância, sabia, respostas jamais encontraria.

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