A Casa

A porta se abriu lentamente seguida de passos calmos que, aos poucos, foram invadindo a sala. Sentia que algo anormal acontecia com ele, mas não sabia o que.

Tudo começara quando aquele estranho invadira sua vida, observando-o comer e comendo como ele, vendo-o deitar-se e deitando-se como ele, olhando-o banhar-se e banhando-se como ele, enfim fazendo tudo que ele fazia, porém melhor.

Não o conhecia, não sabia quem era, qual o seu nome, de onde vinha, mas o compreendia. Queria ser como ele mas não conseguia.

Na sala "ele" também se encontrava, entrava como ele por outra porta que ele nunca encontrara, sentava-se como ele, acendia um cigarro e bebia simultaneamente e igualmente como ele.

Não suportava mais, queria que o outro sumisse ou que ele próprio desaparecesse, mas isso não acontecia. Onde quer que fosse lá estava o outro, tão estranho como o desconhecido e ainda assim tão conhecido.

Pensara em viajar, em mudar-se para bem longe, mas sabia que o outro sempre estaria com ele; pensou em matar-se mas teve medo; tomou mais um gole da bebida que repousava no copo, o outro o remendava, e enquanto fumava refletiu sobre a morte, não a dele mas a do outro.

Sim, faria isso, afinal não sabia quem era aquele homem que sentado à sua frente também fumava.

Levantou-se, o outro também, dirigiu-se agitado para a cozinha enquanto percebia a agitação do outro, entrou e seguiu até o armário, encarava o homem à sua frente enquanto pegava uma faca. Conhecia-o de algum lugar mas não se lembrava, o homem também o encarava, a mão com a faca tremia mas se mantinha firme.

A lâmina brilhou, avançou-a em direção ao peito do outro, e este, repetindo os movimentos levou idêntica faca ao mesmo ponto fatal. O homem à sua frente fazia-o pensar em si mesmo, sentiu o ferimento em seu corpo e viu o ferimento que provocara no outro. A dor era aguda e lhe queimava o peito. Conhecia-o, lembrava-se agora quem era o outro. Percebeu, enquanto o sangue ensopava sua camisa e seguindo seu curso molhava o chão, que o outro era ele, e que ele, louco (?!), era o outro.

Um comentário:

Tere Tavares disse...

"Eu sou um outro" - Oscar Wilde já dizia. Nessas facetas que se travestem de almas, heteronomias (Fernando Pessoa, nosso mestre) calcorreiam performances audíveis ao que transita de mais sensível no ser humano - o outro em que se reconhece.

Parabéns pela lavra.

Abraço